quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A TROCA (Lygia Bojunga Nunes)


Para mim, livro é vida; desde muito pequena os livros me deram casa e comida. 

Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado.


E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro prá brincar de morar em livro.

De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar prás paredes).
Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.


Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras.
E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas.
Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.
Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; 

e de barriga assim cheia me levava prá morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu, 
era só escolher e pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que 

- no meu jeito de ver as coisas - é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.
Mas como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei de um dia alargar a troca: comecei a fabricar tijolo prá - em algum lugar - uma criança juntar com outros e levantar a casa onde ela vai morar.


                                                                                                                                   Lygia Bojunga Nunes.

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